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Foto do escritorEmmanuel Prado

Tão só

“I tried to make a soul from scratch. If I could dream you in meticulous detail will you ever

come alive?”


Ouvir os versos de uma música faz-nos pensar. Não ouvir um pedaço da música, como só a batida ou saber um refrão. Realmente ouvir. Dar os ouvidos à melodia, ao sentimento e à voz. “Eu tentei fazer uma alma de um rabisco.” Tentar criar uma alegria. Uma vida.

Dizem muito que a vida é alegre. Alegres são os vivos, de fato. Aqueles que não vivem são como num texto que li, o coração morre quando se envelhece. O tempo passa, as coisas passam, nós passamos. Minhas centenas e centenas de horas dedicadas às atividades mais inúteis de minha existência, como ler inutilidades pela internet, jogar ou ainda me perder nos pensamentos de janela de ônibus, também passam. Efêmero ser que se desprende de suas próprias noções.

A realidade é difícil de se ver. Encontra-se depois de visões turvas e lágrimas. Encontra-se depois das fumaças que as pessoas acendem. Encontra-se depois das noites suadas e sonoras entre quatro paredes, ou nem tanto. A realidade se desvia dos caminhos pouco claros. Mas nem eu sei o que é real. Meus olhos só enxergam pelos grossos vidros que mexem nos raios de luz. Não sei se esses vidros estão embaçados ou não.

“Se eu pudesse te sonhar em detalhes meticulosos, você viria à vida?” O que é sonhar se não perder-se fora da realidade? Às vezes a precisão detalhista não é o que se espera. A imperfeição torna-nos singulares. Minha imperfeição de visão torna-me único, pois ninguém vê o mundo como eu vejo. Jamais verá, por mais que eu me esforce em traduzi-lo nestes pequenos textos. Ainda assim sou compelido a escrever. Parece-me necessário tentar fazer com que me entendam.

Ouço músicas que aos meus 15 anos detestava. Ouço as músicas dos meus quinze e detesto-as. Gritos e sons bizarramente ríspidos. Guitarras pouco distinguíveis de uma interferência nos fones. Tornei-me amolecido para música. Assim como tornei-me frágil aos quinze. Aos quatorze. Aos treze. Aos doze. Desde que entendo que sou gente, acho. Penso-me como uma criatura peculiar, das quais pouco nos interessará estudar. Ainda assim, “me sinto só…mas quem é que nunca se sentiu assim?” E chiam as guitarras dos meus quinze anos.

Empedernido não seria como eu gostaria de ser. Disse que não sentia saudades. Raramente a sinto, de fato. As poucas vezes em que senti saudades foram nas minhas frias noites da adolescência. Quando eu achava que uma ou outra companhia faria eu me sentir menos só. A solidão não é assim, como estar só em casa. A solidão é estar só em si mesmo. Olhar para as brancas paredes e nada ver. Olhar no vidro dos meus olhos e nada ver. Olhar nos verdes olhos. Castanhos. Amendoados olhos e não se ver. Olhar-se nas ondas dos cabelos ou na lisura sobre o rosto e não se ver.

É como ver as estrelas brilhando nas escuras horas da noite. Quanto mais escuro, mais elas brilham. É como ser só. Quanto mais só, mais se vê na solidão. Chamam-na de remédio quando as companhias não são o que parecem. Chamam-na de amiga quando não se pode confiar em alguém. A solidão é só e nada mais. É o vazio onde se esvaziam os corações. Cansam-se os corações. Às vezes batem alegres, quando acham que não serão tão sós. A verdade é que se morre só. E vive-se só também. Nenhum outro ser poderá adentrar nos recônditos desconhecidos de nossa alma se não nós mesmos. O que uns podem fazer pelos outros é vislumbrar o tamanho deste âmago. Ver talvez um lampejo do que lá habita.

Perdi-me revendo meus olhos infantes em fotografias passadas, já manchadas pelo tempo. Meu sorriso de criança tão só. Eu e meus brinquedos tão sós. O sorriso de alguns colegas em um escorregador, de onde lembro do meu primeiro amor. Aos seis anos. Um amor tão só. Porque era só meu e que era tão solitário, pois jamais se refletira naqueles olhos amendoados, e menos ainda naquele sorriso faltando dentes de leite, tão brancos.

Nunca incomodei-me tanto de ser só quanto nos meus doze anos. Achava tão terrível não sentirem minha ausência quando eu não ia à escola. Aliás, nunca detestei tanto algo quanto a escola. Amo, no entanto, estudar e aprender. Mas não suportava sentir-me só com outros trinta seres. Seres que pouco viram em seus próprios espíritos a solidão. Os mais sós tornaram-se meus amigos. Muitos dos quais nem sei o que aconteceu mais, pois sumiram em sua própria história.

Eu queria ser menos só aos meus quinze anos. Tentei aprender a amar alguém. Ela era delicadamente calada. Mas era mais só do que eu. Tão só que nossas solidões afastaram-se. Aos meus dezesseis encontrei-me tão só num lugar onde ninguém era conhecido. Onde eu era diferente e falava estranho. Estranho. Meu adjetivo. Ou melhor, como sou conhecido por meus colegas desde os meus seis anos. “Você é muito estranho! Não quero falar com você!” Ao ouvir isso com seis anos a gente não entende porque. Ao ouvir com dezesseis também não.

Sempre estranhei dizerem-me tais coisas, pois dentro de mim as coisas que eu faço, olho, gosto e entendo parecem-me estranhamente normais. Estranhos são os outros. Sempre foram, distantes como todos os meus coleguinhas fofos naquele aniversário numa das maiores empresas responsáveis pelo aumento de peso das pessoas no mundo, junto com aquele palhaço infeliz.

Nunca gostei de ser só, apesar de habituar-me a isso. É vazio, por incrível que pareça. Acredito que talvez um dia eu deixe de ser só. Mas apenas quando eu puder ser companhia de mim mesmo. Enquanto eu for uno em minha solidão serei só. Sinto-me pouco só quando estou ocupado com coisas que pouco me agradam. E continuo tão só que nem me esforço em sofrer pela minha solidão.

Quis encontrar colo. Colo de mãe. De irmão. De amiga. De amor. Tive-os e eles não foram suficientes. Foram como ver o mar e tentar guardá-lo num copo. Toda a vastidão do meu ser tão só em apenas dois braços. A gente esquece. Minha solidão é minha companhia. Ser só não é a maior dor do ser. Talvez a maior dor seja acreditar que ser só é tudo que há. E ainda mais agora, dentro de minha solidão, já não sei se outra coisa há se não esta minha companhia tão só.

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